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segunda-feira, 27 de abril de 2009

Tinha eu 26 anos de idade, acabados de fazer

Tinha eu 26 anos de idade, acabados de fazer a 4 de Fevereiro passado, e a euforia durou exactamente 6 dias. A partir do Primeiro de Maio apercebi-me do rumo que as coisas iriam tomar: Portugal preparava-se para se esquerdizar, no verdadeiro sentido da palavra (esta palavra existe?), e eu não estava certo de que isso seria a melhor opção para mim e para os portugueses... Quer dizer, os portugueses agora eram todos a favor de tudo o que apoiasse a via do socialismo. O socialismo que vigorava em países como a URSS, Cuba ou a China. Nesse dia ía dar Direito Administrativo aos alunos do 2º. ano de Direito na FDUL. Como sempre, saí de casa às 7 horas em ponto (morava no Areeiro, num apartamento acabado de comprar) para chegar à Cidade Universitária às 7h20. Como sempre, ía estacionar o meu VW Fusca 1300 calmamente e chegar ao Auditório 5 15 minutos antes da aula começar. Mas nesse dia foi diferente. E apercebi-me disso no instante em que acordei. Olhei pela janela e vi uma coluna de militares a passar mesmo em frente ao meu apartamento. Decidi ficar em casa e ligar a telefonia. Às 7h30, no RCP, o MFA anunciava que estava a desencadear uma operação com vista a libertar Portugal do regime. Foi nesse momento que desci e acabei em frente ao quartel da Guarda, no Largo do Carmo, onde o Professor Marcello Caetano se rendeu.

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Não sei o que me passou pela cabeça em alinhar naquele festival anárquico e desfilar junto aos "libertadores da pátria", mas naquele momento lembrei-me de todas as alturas em que tive medo. A PIDE (e mais tarde a DGS) colocava sempre dois ou três moscas à porta da Faculdade (desviava o olhar deles e seguia cabisbaixo até à cantina, nos meus tempos de universitário) só para avisar a malta "do contra" que o Estado Novo estava ali a vigiá-los. Eu era um tipo discreto e que nunca me tinha metido em politiquices. Dois amigos meus chegaram a estar presos durante uma semana por promoverem um debate na Faculdade com o tema "colonialismo e opressão". E soube de um finalista que ficou sem duas unhas das maõs (depois de 5 meses no Tarrafal) por distribuir uns panfletos a apelar à mobilização dos estudantes contra os fascistas. Foi para a Guiné e de lá nunca mais voltou. E as coisas eram assim. Quanto a mim, sempre fui educado da melhor maneira. Os meus pais eram pró regime. E por que não? Ora, o meu pai sempre tinha sido um construtor bem sucedido. Na altura em que se construia de tudo em todo o lado, havia também luvas em todo o lado. E como em todo o lado havia Estado, luvas e Estado misturavam-se num frenesim de (quase) ilegalidade. O meu pai sabia onde empregar 20.000$00 e a quem os empregar. De modo que nunca me faltou nada. E eu tinha uma vida desafogada. Tinha sido um aluno exemplar e aos 23 anos, quando acabei o curso de Direito, fui convidado para ser assistente de um Professor chamado Oliveira dos Santos. Ía seguir a carreira académica. Dinheiro não era problema e a vida previa-se relativamente fácil para mim... Mas eu fui festejar. Era dia 25 de Abril de 1974. Eu agora era de esquerda.


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Hoje é dia 25 de Abril de 2009 e eu afirmo que a Revolução dos Cravos foi um erro. Quando o Professor Oliveira Salazar saiu de cena, o regime ficou fragilizado. E a abertura teria ocorrido naturalmente com o Professor Caetano. Mas tudo se precipitou para aquele momento. Uma onda de radicalismo atravessou a espinha de alguns militares, e tudo foi alastrando. Eu nunca fui a favor de radicalizações. E Portugal esquerdizou-se por completo: foram benefícios a torto e a direito para funcionários públicos (apesar de serem pouco produtivos), nacionalizações indiscriminadas, criação de uma máquina estatal pesada e pouco ágil e predominância de partidos de esquerda (como é possível, hoje em dia, um partido trotskysta ter mais representação que um democrata-cristão?). Apesar de achar que era péssimo viver com medo dos agentes do regime, acho que é horrível sair à rua e ter medo ao olhar para um conjunto de "portugueses" a passear-se pelas estações de comboio. Para que é que houve a Revolução? De certeza que não foi para haver dois partidos que lutam pela influência na esfera das grandes empresas. Grandes empresas, essas, que financiam campanhas a troco de favores. A liberdade de expressão é usada e abusada. A Polícia e a Guarda não são respeitadas. Por isso, a insegurança é um problema muito grave. Pretos, ciganos e brasileiros ocupam o meu país e naturalizam-se, misturando-se com os portugueses. Construções de subúrbios em forma de dormitório dão casa a toda a gente, alimentando um crescimento populacional desiquilibrado (o interior está deserto e as cidades sobrelotadas). Nunca houve alguém que desse dignidade a Portugal. Somos pobres, uns coitados. Dos mais pobres e miseráveis da Europa e uma vergonha para os portugueses. Entrámos na CEE para quê? Para nada. Apesar dos milhões e milhões de contos que entraram, nunca saimos do buraco. E, por falar em buraco, as contas públicas são uma vergonha. Défices atrás de défices e dívida que hipoteca o país.

Foi para isto que houve uma Revolução? Eu tenho uma resposta: NÃO! Mas já tenho 61 anos e vou agora para a reforma. Peço desculpa pelo tom que empreguei. A natureza das minhas palavras é proporcional à tristeza que sinto quando olho para o estado do meu país. Portugal é a minha pátria. E a minha pátria está podre.

José Carlos Sequeira

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